Introdução
O comércio de mercadorias, e em especial o comércio intercontinental por via marítima, cresceu enormemente no último século. Por via marítima transportam-se cargas de todo o tipo, desde as ramas de petróleo e gás natural liquefeito aos minérios de ferro, uranio, cobre, às sucatas metálicas para reciclar, veículos, vestuário, televisores, trigo, açúcar, café, cimento, madeira, etc., etc. A introdução de contentores de carga nos anos 60 permitiu melhorar as condições do transporte das mercadorias reduzindo as perdas e avarias, introduzir rapidez na transferência de cargas, e aumentar o volume de mercadorias transportado. Porém, não conseguiu introduzir a segurança no que se transporta (Figura 1).
Pode um contentor ser uma ameaça radiológica ou nuclear?
Numa primeira abordagem poderia dizer-se que só será uma ameaça deste tipo se lá colocarem uma fonte radioactiva ou uma bomba nuclear. Em linha com esta ideia, podemos supor- tal como já foi feito em novelas e filmes – um cenário em que uma organização terrorista pretenderia introduzir um engenho explosivo nuclear num qualquer país por via marítima. No entanto, este cenário não é o único possível nem o mais comum (felizmente) em que possa haver cruzamento de materiais radioactivos e nucleares com transportes marítimos. Existem outros cenários mais simples em que isso pode ocorrer, e tem ocorrido, como vamos exemplificar, apesar dos regulamentos internacionais aplicáveis ao transporte seguro de matérias radioactivas.[1].
O transporte de equipamentos, como por exemplo equipamentos de sondagem e perfuração geológica usados na exploração de petróleo, gás natural, prospecção de minérios, etc., em que o uso de fontes radioactivas seladas é muito comum, pode ocasionar a exposição de pessoas a radiações ionizantes de forma descontrolada. Na verdade, o transporte destas fontes radioactivas seladas está sujeito ao regime de licenciamento prévio e obedece a regulamentos de segurança próprios. Verifica-se que muitas empresas de prospecção mineira declaram nos manifestos de carga o equipamento de prospecção mas sem especificar- por razões várias – que a carga inclui fontes radioactivas.
Ao atingir-se o fim da vida útil das fontes radioactivas seladas (sejam elas usadas em equipamentos médico, industrial, militar, ou outro) o procedimento de segurança adoptado internacionalmente para evitar o extravio e o perigo de materiais radioactivos abandonados, obriga à devolução da fonte (em fim de vida útil mas, em geral, ainda fortemente radioactiva) ao fabricante para eliminação. Contudo, este procedimento normalmente tem encargos o que, por vezes, motiva os operadores a não respeitar os procedimentos e enviar, por exemplo, as fontes radioactivas em fim de vida para países onde a legislação de segurança radiológica não existe ou o controlo é frouxo. [2]
A indústria nuclear para produção de electricidade gera resíduos de alta actividade cuja deposição em instalações especiais é dispendiosa. O transporte de combustível nuclear (barras de combustível novas ou irradiadas) ou ainda resíduos de alta actividade após separação do plutónio, é feito por via marítima quando necessário. Foi o caso do reprocessamento do combustível nuclear irradiado do Japão, efetuado em La Hague, França, e depois devolvido ao Japão por via marítima. Estes transportes de materiais nucleares de alta radioactividade são os transportes talvez mais guardados, e com aplicação dos rigorosos procedimentos de segurança e protecção radiológica. [3] Contudo, já os resíduos radioactivos de baixa e média actividade produzidos pelos países com indústria nuclear não estiveram sujeitos a esse controlo e foram deitados nos oceanos desde 1946 até 1982. [4]
Desde 1982, com a revisão da Convenção de Londres e a proibição internacional da imersão de resíduos radioactivos e químicos nos oceanos, cada país passou a ter de gerir esses resíduos dentro do seu território. Na imprensa internacional correram rumores que certas empresas se especializaram em encontrar soluções baratas para se desembaraçar desses resíduos, afundando navios com cargas radioactivas, químicas e tóxicas no alto mar, ou enviando-os para países terceiros. Aprovaram-se, depois disso, regulamentos e leis internacionais que proíbem a transporte desses resíduos para países pobres mesmo que, alegadamente, estes aluguem parte do seu território para os resíduos serem ali depositados. [5]
“(…) transportes de materiais nucleares de alta radioactividade são os transportes talvez mais guardados, e com aplicação dos rigorosos procedimentos de segurança e protecção radiológica.”
Grande parte do mercado mundial do ferro e metais ferrosos é abastecido por sucatas metálicas que são recicladas. Tem acontecido que quando se desmantelam instalações para recuperar as sucatas há, por vezes, fontes radioactivas seladas (i. e., encapsuladas em blindagens metálicas) que podem estar misturadas com a sucata. Vários acidentes ocorreram com estas fontes (designadas por fontes órfãs, no sentido de os proprietários as terem abandonado) quando fundidas com a restante sucata, originando contaminação radioactiva ambiental com impacto na economia e na saúde pública. Foi o caso do acidente de fusão de uma fonte de césio-137 ocorrido em 1998 na Acerinox em Algeciras, Espanha.[6]
Há ainda o transporte de contentores com matérias-primas, tais como minérios de uranio, tantalite, columbite, zircónio, entre outros, que emitem radiações ionizantes. O transporte destas mercadorias exige uma verificação das condições de segurança, incluindo a monitorização dos níveis de radiação para a segurança dos trabalhadores portuários, da equipagem dos navios e dos agentes rodoviários que farão as ligações portuárias. O transporte destas mercadorias obedece ao código do transporte de mercadorias perigosas e inclui obrigatoriedade de sinalização adequada. [7] Contudo, com frequência, e apenas com a excepção do uranio, esse código não é aplicado no transporte de minérios e metais pouco conhecidos como sendo radioactivos.
Pelos exemplos acima descritos, podemos verificar que existe uma grande diversidade de casos em que o transporte contentorizado de mercadorias pode representar um risco radiológico e nuclear. O controlo da segurança radiológica e nuclear de contentores é, pois, muito importante para a segurança dos trabalhadores portuários e marítimos e para a segurança do público em geral.
Pode um contentor esconder outros tipos de carga ilegal?
Facilmente. Todos os dias deparamos com notícias de intercepção de cargas ilegais de todo o tipo, incluindo material electrónico, narcóticos, e até seres humanos escondidos e transportados dentro de contentores. Não raras vezes, e dramaticamente, ao serem abertos contentores no seu destino as autoridades constatam a existência de passageiros clandestinos mortos por asfixia durante o transporte.[8]
Na realidade o transporte de mercadorias não declaradas, e mesmo proibidas, dentro dos contentores tornou-se frequente, e até mesmo um suporte de negócios ilegais de grandes dimensões. Em particular os transportes de retorno de contentores vazios tornaram-se grandes eixos de negócios ilegais, tais como o comércio de automóveis roubados num país e que são vendidos noutro país ou noutro continente, e o transporte e introdução clandestina de imigrantes que fogem dos seus países de origem, pobres ou em guerra, para entrar em países de fronteiras fechadas à imigração, mas onde esperam conseguir trabalho e uma vida digna. São exemplos, os fluxos migratórios de África e Ásia para a Europa, do México e América Central para os Estados Unidos, da Ásia para a Austrália e Canadá. [9]
O controlo das cargas contentorizadas é feito sobretudo através dos manifestos de carga, que contêm declarações importantes sobre a natureza da carga, mas são fáceis de falsificar e, mesmo que sejam verdadeiros, podem conter declarações inexactas. Abrir cada contentor nos portos para inspeccionar o seu conteúdo pararia o fluxo de mercadorias com grandes prejuízos económicos para as empresas e para os países. As autoridades portuárias e aduaneiras transferiram, há muito tempo, grande parte do controlo de mercadorias para entidades intermediárias, os agentes aduaneiros, que sendo operadores actuando sob licença do Estado são chamados a fazer cumprir com seriedade as regras aduaneiras. Apesar disto, e devido ao rápido crescimento do movimento portuário, apenas com estes procedimentos já não seria possível garantir que os contentores não transportam cargas ilegais.
Bom dia! Gostei muito dessa matéria da Revista Segurança, aborda exatamente o assunto que preciso para realizar meu trabalho de Economia Política, porém não poderei utiliza-lo, pois o mesmo não consta as fontes bibliográficas, isso tira toda a a credibilidade do trabalho. Como consigo acesso a fonte bibliografia, isso é possível?
Bom dia Cara Gislaine Aragão
Pedimos desculpa de só agora responder ao seu comentário. Informamos que agradecemos o mesmo e que ele tem sim bibliografia mas que consta no fim do artigo só para assinantes da revista “segurança” de Portugal.
Este artigo nunca pode ser descredibilizado pois é feito por um dos mais conceituados investigadores da área da Proteção e Segurança Radiológia, o Dr. Fernando Carvalho que irá participar no Rio de Janeiro no II Congresso Luso-brasileiro de Segurança, Saúde Ocupacional e Ambiental que vai ter lugar de 5 a 8 de julho no Clube de Engenharia do Brasil e aí poderá abordá-lo se assim o entender.
Quanto à assinatura da revista “segurança” de Portugal em suporte digital custo por ano 82 reais/ano (14 reais por revista técnica científica) ou sejam 22 euros 6 números e ainda mais pode escrever para ela com artigos técnicos.
Mais algumas informações pode enviar para assinaturas@revistaseguranca.com ou geral@revistaseguranca.com
Aguardo as suas notícias
Isabel Santos