Autor: Carlos Gomes de Oliveira (ISEC Lisboa, gomes.oliveira@iseclisboa.pt)
(artigo de opinião/divulgação/síntese de trabalhos anteriores)
1 PROPÓSITO
1.1 Enquadramento
Qualquer entidade é vulnerável. Tal significa que está sujeita a danos resultantes da sua interação com a envolvente. A vulnerabilidade pode definir-se como o inverso da capacidade de resistência a agressões, sejam elas internas, sejam externas. Num certo sentido, vulnerabilidade será o conceito complementar de resiliência.
Mas, se todas as entidades são vulneráveis, também todos os processos o são. Nomeadamente o processo de evolução do conhecimento científico e, naturalmente, o processo relacionado de desenvolvimento tecnológico, ou seja, a procura de soluções coerentes e eficazes para os diversos problemas que a sociedade, como tal, enfrenta.
E, nestes processos, são relevantes os fatores externos resultantes da mudança contínua das expectativas da sociedade, em particular a sua perceção de necessidades, o que leva a alterações profundas naquilo que os mercados esperam da relação produção/consumo, com a consequente evolução dos paradigmas definidores do contexto social. Não menos significativos são os fatores internos que condicionam a vulnerabilidade destes processos. Referem-se, concretamente, a descoberta ou produção de novas substâncias, novos materiais, novas moléculas, o desenho e o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas, de novas máquinas e de novos equipamentos, o que se reflete, necessariamente, em novos esquemas de formação especializada dos meios humanos. A Figura 1 resume estas considerações.
FIGURA 1 – VULNERABILIDADE DE PROCESSOS (I & D)
Quando se fala em “Investigação”, em “Desenvolvimento”, em “Aplicação” está-se a referir os aspetos essenciais do paradigma da evolução do conhecimento científico, que não tem, obviamente, um percurso linear. Mesmo a relação Investigação/Desenvolvimento/Aplicação pode ser reformulada face às exigências do mercado e à definição de necessidades do enquadramento social. O próprio processo de aquisição de conhecimento científico está, sempre, sujeito a diversos constrangimentos – externos e internos – que implicam inflexões no percurso, como se procura esquematizar na Figura 2.
FIGURA 2 – EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DE CONHECIMENTO
Mas há, obviamente, conceitos que são elementos condutores deste desenvolvimento. Que podem ser alterados na forma, mas não no conteúdo. Que se mantém como base de apoio de toda esta evolução.
Entre estes conceitos fundamentais está o de segurança. A necessidade humana de sobrevivência, face às condições de trabalho, de intervenção familiar, comunitária ou política, de lazer, entre outras, implica uma constante procura de soluções que sejam menos sujeitas ao risco.
Seja qual for o percurso da evolução da ciência, da tecnologia, da economia, da política, o conceito de segurança estará sempre presente e condicionará o paradigma da relação do ser humano com a sua envolvente, entendida esta como um sistema complexo e muito alargado. É a base esquematizada na Figura 3.
FIGURA 3 – A SEGURANÇA COMO BASE DA EVOLUÇÃO PARADIGMÁTICA
1.2 Objetivo
Estabelecida que foi a participação efetiva do conceito de segurança na natural evolução do processo de aquisição de conhecimentos, particularmente na sua vertente técnico-científica, torna-se
essencial apontar as linhas de ação que permitam concretizar o principal objetivo da aplicação deste conceito: a constante melhoria das condições de vida do ser humano em sociedade. Para tal, há que identificar, caracterizar e avaliar os riscos presentes, expectáveis ou, simplesmente, possíveis – considerando uma evolução temporal – de modo a desenhar, estudar e implementar, tendo em conta a hierarquização de prioridades, as necessárias barreiras de segurança que permitam minimizar esses riscos, sem nunca deixar de monitorizar o processo.
2 PROPOSTA
O atual paradigma, genericamente referido como “Indústria 4.0” implica a assunção de algumas proposições que podem ser tratadas de acordo com uma abordagem “deixa de ser” para “passa a ser”. Por exemplo, os conceitos expressos na Tabela 1, para os quais se apontam as alterações de interpretação relevantes. Mas a “4ª revolução industrial” é, apenas, uma fase de uma sequência que teve início nos fins do Século XVIII e cujo fim não está à vista.
TABELA 1 – ALGUNS CONCEITOS NO PARADIGMA INDÚSTRIA 4.0
Na sequência da seguinte citação de Oliveira, 2019b, “Todas as fases da evolução recente das relações de trabalho introduziram novos desafios, novas formas de encarar a produção, novos riscos. A mudança radical da produção artesanal para a produção fabril, na chamada primeira revolução industrial enfatizou os riscos mecânicos, físicos, químicos e, mesmo, psicossociais, que não eram novos, mas cuja pertinência se foi tornando evidente. A segunda revolução industrial introduziu o conceito da omnipresença (e da facilidade de acesso) da energia: já não era a máquina a vapor local que fornecia a energia necessária; era um motor elétrico, alimentado por eletricidade produzida algures e transportada, por redes de distribuição, de muito longe. Com a terceira revolução industrial, a computação, a informação e a automação passaram a definir a cadeia de produção, na qual a tarefa de programação era essencial. E a quarta revolução industrial recorre ao conhecimento difuso das grandes bases de dados, que muitos alimentam e alguns usam, para estabelecer algoritmos autoalimentados e auto programáveis (inteligência artificial, IA) que regulam, adaptam e configuram os processos produtivos. Provavelmente, a quinta revolução industrial não estará, assim, tão longe e centrar-se-á, previsivelmente, não na Indústria 5.0, mas na Sociedade 5.0.”, pode entender-se que estamos a viver, plenamente, a fase 4.0, mas que a 5.0 deverá estar, já, a ser preparada por todos (ver Figura 4).
FIGURA 4 – A “REVOLUÇÃO INDUSTRIAL” (ADAPTADO DE OLIVEIRA 2019C)
Portanto, o conceito de segurança, entendido de uma forma integrada, isto é, global, sistémica, dinâmica e multidisciplinar, acompanha, necessariamente, esta evolução. Porque o seu objetivo se mantém inalterado.
Mas, porque os seus objetos variam, as suas metodologias têm de ser adaptadas e ajustadas às novas exigências. De qualquer modo, o conceito de segurança inclui a sua gestão, que é um processo de fases sequenciais com uma fase recorrente, ou seja, essencialmente, o estudo, desenho e desenvolvimento de barreiras que materializem soluções viáveis e fiáveis para os problemas da comunidade e a sua operacionalização e monitorização (Figura 5).
FIGURA 5 – CONCEITO DE SEGURANÇA
É este conceito de segurança que acompanha, transversalmente, toda a evolução do processo de conhecimento, obviamente de uma forma dinâmica, quer em termos da sua perceção, quer no que diz respeito ao modo como se efetiva a sua aplicação aos casos concretos.
3 CONCLUSÃO
Numa abordagem sistémica, as causas de um evento têm origem em diversos subsistemas, assim como os efeitos da ocorrência desse evento se vão fazer sentir em diferentes subsistemas. A questão que se põe é esta: quais as origens e quais os destinos prevalentes e como variam, em cada passo evolutivo, das causas e dos efeitos de um evento potencialmente danoso (definição conceptual de risco, Oliveira, 2012 e 2014, resumida na Figura 6)?
FIGURA 6 – CONCEITO SISTÉMICO DE RISCO
Ora, na passagem da fase 4.0 para a fase 5.0, é previsível, analisando as tendências da evolução dos paradigmas técnico-científicos e sociais, uma deslocação das principais origens das causas e dos destinos mais marcantes dos efeitos dos subsistemas “ambiente de trabalho” e “organização” para os subsistemas “comunidade” e “envolvente”.
Isto é, se “hoje” as causas mais relevantes das situações de risco encontradas têm a sua origem nos subsistemas mais próximos do subsistema Homem/Máquina, é expectável que, “amanhã” a origem dessas causas se desloque para os subsistemas mais afastados do referido subsistema central.
O mesmo se poderá dizer da localização dos subsistemas onde os principais efeitos se podem vir a fazer sentir. Sem pretensões de apresentar um gráfico valorado (não é objetivo deste trabalho nem o atual estado da arte o permite), a Figura 7 esquematiza esta evolução.
FIGURA 7 – EVOLUÇÃO EXPECTÁVEL DA PREVALÊNCIA DE ORIGEM DAS CAUSAS E DE DESTINOS DOS EFEITOS
Mas, as situações de risco existem e continuarão a existir, as ocorrências danosas não deixarão de ter consequências, a perceção do risco e da segurança vai alterar-se, mas não desaparecer. Talvez antes pelo contrário, se vá tornar mais importante na vida de todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- OLIVEIRA, Carlos Gomes, A evolução do conceito de risco: uma análise histórica da bibliografia; 1ª parte: segurança, nº 206, jan-fev, p. 12-18; 2ª parte: segurança, nº 207, mar-abr, p. 10-17, 2012.
- OLIVEIRA, Carlos Gomes, Avaliação de Riscos Profissionais: uma reflexão conceptual e metodológica; Chiado Editora, Lisboa, 437 p., 2014.
- OLIVEIRA, Carlos Gomes, Multidisciplinaridade na Gestão do Risco; Proceedings, Congresso Internacional de Segurança Integrada, Lisboa, 2019a.
- OLIVEIRA, Carlos Gomes, Segurança 4.0; segurança, nº 250, mai/jun, p.17-20, 2019b.
- OLIVEIRA, Carlos Gomes, Segurança e Saúde no Trabalho no paradigma 4.0; IV Congresso de Segurança e Saúde Ocupacional e Ambiental, Luanda, outubro, 2019c.