A situação internacional que actualmente se vive na Ucrânia é paradigmática e demonstrativa a vários níveis de múltiplas incapacidades patenteadas pela União Europeia em matéria de inexistência de estratégias e de desconhecimento da história, embora não necessariamente por esta ordem.
Mas trata-se indubitavelmente de uma questão de segurança e tem os ingredientes para, eventualmente, se tornar, em primeira instância, um problema de segurança, europeu.
No período pós-Guerra Fria a vox populi – neste caso a voz dos pensadores e teóricos defensores de um mundo unipolar – dizia que, desmembrada uma das duas superpotência (a União Soviética, os Estados Unidos da América voltariam, uma vez mais, a ser os “polícias do mundo”, a contragosto ou não, mas que tal função evitaria guerras entre as principais potências, tanto pelo reconhecimento da superioridade tecnológica e militar norte-americana por parte dos restantes actores, como por força da globalização económica, entendida esta como um sistema complexo aberto e, portanto, com consequências desproporcionais e até desconhecidas despoletáveis por eventos diversos, como o caso de um conflito de natureza militar entre dois ou mais actores principais do sistema internacional.
Tal asserção parecia, à primeira vista, ser verdadeira, como se pôde constatar pela abertura da Rússia ao mundo exterior, em particular aos Estados Unidos, a partir de 1990. E se mais exemplos fossem necessários, poderíamos lembrar-nos do apoio tácito disponibilizado por Moscovo aquando da guerra no Afeganistão, “autorizando” a utilização de bases militares no Quirguistão, Uzbequistão e Turquemenistão para apoio às forças armadas norte-americanas.
Neste contexto, a situação menos pacífica seria a do relacionamento entre os Estados Unidos e a República Popular da China, mas que a economia e o desenvolvimento financeiro desta se encarregou de diluir, tornando-a no maior credor de Washington.
Confiando numa nova era marcada pela cooperação e livre de constrangimentos politico militares, que parecia confirmada pelos factos anteriormente mencionados, assistiu-se a uma redução drástica das despesas militares na generalidade do designado “mundo ocidental”, especialmente na Europa e, em particular, nos países da União Europeia, acentuando a já crónica fragilidade de defesa do espaço europeu.
Para esta decisão contribuiu indubitavelmente a visão de superioridade do seu modelo político, o qual, alegadamente, impediu conflitos na Europa durante os últimos 50 anos e perspectivaria continuar a impedir.
Porém, a evolução dos tempos continua a contrariar o “fim da história” de Fukuyama e, pelo contrário, parece querer eternizar o paradigma de que os Estados continuam a (sobre)viver num quadro de guerra e paz, em permanente equilíbrio entre as opções do bem-estar e da defesa.
Daqui decorre a primeira incapacidade de uma União Europeia que, confiando cegamente no valor universal do seu padrão civilizacional, insiste arrogantemente na ideia de que basta possuir um modelo político-económico para lidar eficazmente com conflitos, qualquer que seja a sua natureza, ainda que o contrário já tenha ficado claramente demonstrado, na primeira metade do século XX, com a eclosão de dois confrontos mundiais.