A triste actualidade dos suicídios no trabalho
O ano de 2015 foi de luto na PSP e na GNR. Ao todo, 15 elementos das forças de segurança puseram termo à própria vida só nesse ano. Novembro foi o mês mais marcante (7 suicídios) e também por isso suscitou mais reacções nos meios de comunicação social; o mediatismo talvez tenha impulsionado várias reuniões e fez “abrir os microfones” para mais declarações de preocupação sobre este fenómeno. Um dos dados a que é oferecida maior relevância e que “une” estes suicídios é o uso da arma de serviço. No entanto, parece-nos mais importante constatar que dos 7 elementos da PSP que se suicidaram, 6 fizeram-no no local de trabalho ou nas imediações do mesmo (como o parque de estacionamento da esquadra).
A propósito desta onda de suicídios no mês de Novembro, fala-se de “mimetismo”, mas talvez em certos casos seja redutor olhar para o ocorrido desta forma. Seguramente que há outros factores em jogo.
Numa revisão atenta da comunicação social desse período, percebemos que os responsáveis das instituições apontam sempre para “causas exteriores, que têm origem em questões de ordem emocional e financeira”, e que as vítimas não pedem ajuda quando “atravessam problemas graves como depressões, dívidas ou conflitos familiares”. Algumas estruturas sindicais, por seu lado, apontam preocupações ligadas às relações sociais de trabalho dentro das instituições, nomeadamente, “o comportamento de algumas hierarquias intermédias que, além de não valorizarem o trabalho dos agentes, aplicam arrogância e actos de humilhação nas esquadras” (Peixoto Rodrigues, presidente do Sindicato Unificado da Polícia) ou a “«pressão cada vez maior que é colocada aos polícias» para que atinjam «resultados e números», numa altura em que há «falta de efectivos», (…) um «clima de instabilidade interna» e as «expectativas goradas» de progressão na carreira têm contribuído para a desmotivação dos polícias. Além disso, a maioria dos polícias vivem afastados das famílias, o que causa «solidão» e desestruturação familiar” (Paulo Rodrigues, ASPP – Associação Sindical dos Profissionais da Polícia). Os sindicatos referem ainda o excesso de trabalho, o corte constante de folgas, as reduções salariais aplicadas desde 2011 e o excesso de processos disciplinares que têm sido instaurados na polícia como factores que em conjunto contribuem para estes trágicos desfechos. Também dos sindicatos, surge um apelo: “há que acabar com as perseguições e o assédio no local de trabalho”.
Tal como foi referido pelo médico do trabalho (Carlos Silva Santos) na Comissão Parlamentar do passado dia 4 de Maio, o suicídio é o topo da pirâmide do mal-estar no trabalho, e ele próprio sinaliza e reforça outras condições de sofrimento no trabalho.
Perceber as causas do suicídio no trabalho
A compreensão das causas que podem originar os suicídios no trabalho estão repletas de zonas cinzentas, de emboscadas, de obstáculos, são situações, por vezes, difíceis de decifrar. Se fizermos uma analogia com os acidentes aéreos, os suicídios no trabalho são como uma caixa-negra que ainda não foi encontrada, dado que o conhecimento sobre a sua etiologia é ainda relativamente escasso. Todavia, os suicídios ocorridos nos locais de trabalho ou provocados pelo trabalho representam a degradação ou o colapso do saber viver-junto no coletivo laboral. É, em parte, uma acusação dura ao coletivo de trabalho. É ainda um grito de raiva contra o silêncio dos outros, contra a sua indiferença ou ausência de cooperação. A organização do trabalho é preponderante neste fenómeno, particularmente quando ela se revela desestruturante ao nível da saúde mental. É verdade que há formas para os agentes se tentarem proteger colectivamente da descompensação e do mal-estar no trabalho, mas não restam dúvidas de que um suicídio no local de trabalho é um sinal claro e inequívoco de um colectivo em sofrimento. Assim, o suicídio aparece como um visível falhanço das estratégias de defesa colectivas e individuais e semeia desesperança noutros agentes que já estavam em sofrimento.