“Baixas fraudulentas? Não!”
Esta frase é o título de um artigo da autoria do sr. bastonário da Ordem dos Médicos, Doutor José Manuel Silva, publicado no jornal Expresso de 8/1/2017.
Sem, evidentemente, qualquer pretensão de comentar tal artigo (“não vá o sapateiro além da chinela”), admite-se, contudo, que possa ter alguma utilidade reflectir ainda, por outro prisma (que não já só o da legítima “defesa da honra e dignidade dos médicos…”), o quanto pode ser injusto (e até perverso) este conceito de “baixas fraudulentas”.
Quem acompanha com alguma atenção e proximidade o mundo do trabalho, sabe que, de facto, tem sido intensificado o controlo, por sujeição a juntas médicas de “verificação de incapacidades” de trabalhadores com “baixa” médica prescrita pelos seus médicos de família, via respectivos Centros de Saúde ou outra unidade de saúde.
Este procedimento está previsto na lei, quer por iniciativa dos empregadores privados (de acordo com o Código de Trabalho e sua regulamentação), do empregador Administração Pública (segundo o regime laboral da função pública ou o regime de contrato de trabalho de trabalhadores que exercem funções públicas), quer por iniciativa da própria Segurança Social (como entidade subsidiadora, conforme respectivo quadro normativo), designadamente o Dec.-Lei 28/2004 e sua regulamentação.
Contudo, são conhecidos casos de pessoas a quem foi cortado o subsídio de doença em decurso de as juntas médicas de “verificação de incapacidades” lhes terem imposto a “alta”, apesar de essas pessoas serem portadoras de doenças graves e incapacitantes, reafirmadas prévia e posteriormente pelos respectivos médicos de família do Serviço Nacional de Saúde e particulares.
E, assim, muitos trabalhadores há que, (ainda) doentes, retomam o trabalho (para não incorrerem em faltas injustificadas), alguns em sofrimento e, eventualmente, agravando a doença.
Convenha-se que é difícil não ficar perplexo quando médicos (componentes das juntas médicas de “verificação de incapacidades”) contrariam outros médicos, designadamente, os médicos de família que prescrevem a “baixa” dos trabalhadores.
Em geral, muita opinião pública aplaude e incentiva estes procedimentos sob o pressuposto de que eles consubstanciam o “combate” a algo que, em princípio, logo pela designação, é natural que mereça condenação social: as “baixas fraudulentas”.
Sendo certo que, por regra, essa condenação social de “fraudulento(a)” se projecta sobretudo sobre os trabalhadores, talvez seja útil reflectir melhor o que (não) é isso de “baixas fraudulentas”.
Uma hipótese de “fraude” é a de o trabalhador estar com “baixa” e, de facto, não estar doente. Mas, então, neste caso, a suposta “fraude” não será também da responsabilidade (por acção ou omissão) do médico que outorgou essa “baixa”?