Não obstante toda a evolução, apesar de tudo, entretanto conhecida, os dados conhecidos em Portugal de inquéritos com fidedignidade científica, apontam para percentagens muito elevadas (da ordem dos 30% ou superior) dos inquiridos que declaram já terem sido, pelo menos ocasionalmente, objecto de um processo de assédio, ainda que num sector específico e particularmente crítico nessa área como é o da Banca (neste sentido, ver Paulo Pereira de Almeida, “Assédio Moral no Trabalho – resultados de um estudo”, in Revista “Dirigir”, Abril/Junho de 2007 e Ana Teresa Verdasca, “Portuguese Validation of the Negative Acts Questionnaire Revised (NAQ-R)”, CRITEOS, 2007 e 1ª Conferência Portuguesa “O Assédio Moral no Trabalho”, ISEG, 29 e 30/11/2007).
Por outro lado, um célebre Inquérito Europeu (Paoli & Merillié, 2000) mostrou que 9% dos trabalhadores da Europa, ou seja, e na altura, cerca de 12 milhões de cidadãos, responderam no sentido de já terem sido sujeitos a processos de assédio moral num período de 12 meses!
E o V Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho de 2010 apontava para significativas taxas de incidência de casos mais severos (4%) e de casos menos severos mas ainda assim relevantes (8%) em toda a Europa, sendo a média portuguesa de 7%.
Ademais estas taxas (e o consequente número de cerca de 400 mil trabalhadores portugueses, pelo menos, atingidos por processos, com pelo menos um certo nível de gravidade, de assédio moral no local de trabalho) são igualmente confirmadas pelos dados do Relatório de 2015 da Eurofound – European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions (a “agência tripartida” da UE).
E só tal dimensão numérica do fenómeno seria mais que suficiente para justificar a nossa melhor atenção.
Mas, como sempre temos afirmado, não é apenas pelo número de vítimas atingidas por este autêntico flagelo que ele se revela de enorme relevância social, sociológica e jurídica. É também e sobretudo pela enorme gravidade, extensão e reiteração no tempo dos prejuízos, quer patrimoniais, quer morais, que tais procedimentos inevitavelmente causam a pessoas cuja dignidade deveria ser afinal integralmente preservada.
Na verdade, hoje é cada vez mais óbvio, quer à percepção material do quotidiano, quer à ciência médica, quer (felizmente cada vez mais !) ao mundo do Direito, que a sujeição de alguém a um processo de assédio moral é causa adequada a provocar-lhe gravíssimos danos, e não apenas estrictamente de saúde, física e psicológica, mas também enquanto pessoa em geral, e ainda, e de forma muito marcada, no campo profissional, muito frequentemente lesando-lhe de forma irremediável a sua profissionalidade, seja em termos de empregabilidade futura, seja em termos de carreira profissional.
Ora, actualmente nós temos um quadro legal (o artº 29º do Código do Trabalho de 2009) que define correctamente e proíbe frontalmente, caracterizando-o até como uma contra-ordenação muito grave, a prática do assédio moral, já não o reduzindo necessariamente apenas a situações de discriminação como sucedia com o anterior artº 24º do Código do Trabalho de 2003.
Temos também uma pomposamente denominada “Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho. Por um trabalho seguro, saudável e produtivo”, com 31 medidas, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 77/2015, publicada no Diário da República, I Série, de 18/9/2015 e onde se fala continuamente em promover a qualidade do emprego e a saúde e o bem estar dos trabalhadores e em prevenir os riscos socio-profissionais (embora nem uma só vez se refira explicitamente o assédio moral).