Resumo
A partir da década de 50 alguns atletas profissionais começaram a usar anabolizantes no sentido de potenciar os seus resultados desportivos; nas décadas seguintes o consumo alastrou-se para atletas amadores mas, nos últimos anos, tal generalizou-se preocupantemente para a população em geral (sobretudo no sexo masculino).
Ao consumo destas substâncias associam-se efeitos secundários de gravidade variável, alguns dos quais muito importantes e banalizados e/ou desconhecidos pelos utilizadores.
Introdução
A partir da década de 50 alguns atletas profissionais começaram a usar anabolizantes no sentido de potenciar os seus resultados desportivos; nas décadas seguintes o consumo alastrou-se para atletas amadores mas, nos últimos anos, tal generalizou-se preocupantemente para a população em geral (sobretudo no sexo masculino, mas não só), motivada por uma imagem mais elegante e musculada, amplamente patrocinada pelos mass media como equivalente a beleza, atratividade sexual, poder e competência. Aliás, basta entrar em alguns ginásios e constatar as dimensões dos clientes para perceber o consumo maciço e contínuo que existe em alguns locais, mesmo apesar das consequências nefastas imediatas potencialmente ignoradas pelos próprios devido à motivação extrema para atingir os objetivos propostos. Contudo, o consumo destas substâncias associa-se a consequências significativas para a saúde.
Pretendeu-se então com esta revisão bibliográfica fornecer um resumo dos dados mais pertinentes e recentemente publicados sobre esta temática.
Metodologia
Foi realizada uma pesquisa em setembro de 2012 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e Academic Search Complete”. Utilizando as palavras-chave “anabolics”, “androgens” e “steroids”, bem como “bodybuilding” e “steroids” foram obtidos 109 artigos, utilizando os critérios publicação igual ou superior a 2002 e acesso a texto completo. Em função da língua original (portuguesa, inglesa ou espanhola) e da pertinência para o objetivo desta revisão, foram selecionados 24 artigos.
Os autores realçam que esta revisão bibliográfica é integrativa e não sistemática, ou seja, todos os artigos que cumprissem os critérios atrás mencionados foram incluídos, independentemente do tipo de estudo e respetiva força estatística.
Conteúdo
Contexto geral
Os anabolizantes foram inicialmente desenhados para promover o crescimento do musculoesquelético1-7 e da força1,5,6 e não tanto para diminuir diretamente a quantidade de gordura corporal8, sobretudo através das alterações proteicas1, pois pensava-se que poderiam ter utilidade nas situações de perda muscular associada a HIV/SIDA, queimaduras severas1-3,5,8,9, outros tipos de trauma1-3,5,8, desnutrição3, distrofia muscular1,8, e sarcopenia. A administração de testosterona também pode estar associada à terapia de reposição hormonal masculina (durante a andropausa, por exemplo) 1; outros autores também descrevem a sua eventual utilidade a nível do hipogonadismo. Doenças oncológicas2,5, bem como osteoporose3, anemia3,5,8, cancro da mama5,8, doenças pulmonares crónicas obstrutivas e patologias dermatológicas constituíam outras indicações possíveis8. Contudo, a maioria destas indicações desapareceu a partir da década de 803.
Ao longo dos anos, estes produtos transformaram-se em substâncias de abuso, não só entre atletas, mas também entre praticantes de desporto não profissionais, nomeadamente culturistas e halterofilistas1,2 (sobretudo a partir da década de 50, nos jogos olímpicos de Viena)8. Mais recentemente, indivíduos da população geral, que apenas querem ser mais elegantes e musculados, estão a consumir massivamente estes produtos1,2,10,11. Para além disso, muitos acreditam que o seu consumo não se associa a consequências negativas significativas para a saúde, sobretudo entre a população geral e atletas amadores, uma vez que os profissionais estão geralmente melhor informados2,3.
“(…) os mass media promovem a associação entre beleza/atração e o desenvolvimento muscular exuberante 11,12; aliás, até os próprios brinquedos retratam agora figuras muito mais musculadas 11,13. A generalização do culturismo/halterofilismo talvez tenha ocorrido com a divulgação do trabalho como ator de Arnold Schwarzenegger 13.”
Influência cultural
Desde alguns anos que os mass media promovem a associação entre beleza/atração e o desenvolvimento muscular exuberante11,12; aliás, até os próprios brinquedos retratam agora figuras muito mais musculadas11,13. A generalização do culturismo/halterofilismo talvez tenha ocorrido com a divulgação do trabalho como ator de Arnold Schwarzenegger13.
O consumo feminino de anabolizantes é mais discreto, uma vez que a maioria da população não associa beleza feminina a grandes massas musculares11. Mas, ainda assim, algum volume e robustez muscular também aqui podem simbolizar controlo, autodisciplina, competência e atratividade sexual14.
Em muitos países a comercialização destes produtos é parcialmente legal, pelo que o acesso via internet fica muito facilitado11 (é o caso da Austrália, Argentina, Brasil, Canadá, Reino Unido e EUA, por exemplo)3.
Farmacologia
Os anabolizantes atuam em várias zonas do corpo (órgãos reprodutivos, osso, folículos capilares, pele, fígado, rim, sistema imune, sistema nervoso central, entre outros)3. Os efeitos androgénicos estão associados às características masculinizantes (como aumento da espermatogénese, aumento da líbido e da dimensão dos órgãos genitais, aumento da pilosidade axilar/facial/púbica e engrossamento da voz)6; os efeitos anabolizantes, por sua vez, estão mais relacionados com a constituição proteica do músculo e osso3,8,15. Produtos predominantemente anabólicos serão, por exemplo, a nortestosterona e a metanolona, enquanto que predominantemente androgénicos serão a nandrolona, estenozolol e a fluoximesterona5. Ao longo dos anos tentou-se obter um produto com mais efeitos anabolizantes e menos androgénicos4,7,15, mas até agora não se conseguiu isolar um do outro e os dois têm de coexistir, ainda que em intensidades diferentes7,8,15.
O androgénio mais importante, é a testosterona, produzido a nível testicular (cerca de 95%); os ovários e as glândulas supra-renais produzem quantidades baixas de testosterona e de outros androgénios fracos (sobretudo DHEA); contudo, até estes podem se transformar em compostos mais potentes. No entanto, para atuarem, é necessário que o órgão alvo tenha recetores adequados3. Alguns investigadores acreditam que a massa muscular aumenta mais na região superior do corpo (tórax, pescoço, ombros e braços), devido a maior concentração de recetores androgénicos nestas zonas.
Posologias/esquemas de consumo
A maioria consome estes produtos por períodos de tempo pré-definidos, designados por ciclos, que variam entre 8 a 1611 ou 4 a 18 semanas6, intercalados por períodos de meses a anos sem consumo. Os ciclos serão em “pirâmide” quando a dose aumenta e diminui progressivamente, para potenciar os resultados e diminuir os efeitos secundários, tolerância e/ou “abstinência”6,11. As pausas atrás mencionadas poderão conseguir atenuar as alterações no eixo hipotálamo-hipófise, que controla a produção endógena (do próprio organismo) de testosterona11,13. O consumo simultâneo de várias substâncias pretende maximizar resultados e minimizar os efeitos indesejáveis4. Após a interrupção do consumo (sobretudo se o indivíduo parar também de treinar), as alterações na composição corporal regridem, até voltarem ao estado inicial, ao longo de alguns meses8; daí a periodicidade dos ciclos.
Muitos atletas apenas consomem durante a fase de treino e não durante as competições, caso exista a possibilidade de controlo antidoping8.
A maioria obtém informações através de colegas ou pela internet9. Em cerca de metade dos casos o produto é proveniente do mercado negro; aliás, alguns são de uso veterinário, ou seja, com uma produção com controlo de qualidade muito menos rigoroso3,9.
Consumos indiretos
Alguns dos suplementos nutricionais orais (cerca de 12,5%, num estudo)16 utilizados no halterofilismo/culturismo contêm anabolizantes, ainda que não descritos oficialmente3,4,16,17.