Resumo
O vírus Ébola é altamente patogénico, podendo causar uma febre hemorrágica severa, com elevada letalidade em humanos e em algumas espécies de macacos, sendo endémico em várias zonas de África. Em alguns casos a mortalidade atinge valores na ordem dos 90%, em apenas alguns dias, pelo que podem constituir armas biológicas muito perigosas.
A infeção pelo vírus Ébola apresenta uma ameaça muito séria mas, se as suas características estiverem melhor divulgadas entre os profissionais de saúde e entre a população em geral, maior será a capacidade para lidar com a situação. Prevê-se também a possibilidade de surgiram avanços significativos na prevenção da doença a curto e médio prazo.
Metodologia
Foi realizada uma pesquisa em novembro de 2014 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e Academic Search Complete”. Utilizando a palavra-chave “ébola” foram obtidos 325 artigos, com os critérios publicação igual ou superior a 2002 e acesso a texto completo; em função da língua original (portuguesa, inglesa ou espanhola) e da pertinência para o objetivo desta revisão, foram selecionados 48 artigos.
Contéudo
Introdução
O vírus Ébola é altamente patogénico, podendo causar uma febre hemorrágica severa, com elevada letalidade em humanos1-26 e em algumas espécies de macacos1-18, sendo endémico em várias zonas de África11,19.
Aliás, muitos autores consideram que estes microrganismos são dos mais letais12,20, com mortalidade entre os infetados, por vezes, na ordem dos 90%2, 5, 6, 8, 9, 20-23 para humanos e 95%24 a 100%16 em macacos, em apenas alguns dias9, 24, pelo que podem constituir armas biológicas muito perigosas12, 13, 19, 20, 24, 25; pois têm também transmissão fácil e assustam a população20,26. Aliás, alguns investigadores acreditam que durante a “Guerra Fria” os filovírus foram abordados no contexto de arma biológica3. Para além disso, podem ser atingidos profissionais de saúde e militares, que facilmente levam a doença para o seu país de origem26.
As zonas e os indivíduos atingidos (quer população geral, quer profissionais de saúde) podem ser estigmatizados pela comunidade em geral, facilmente sinalizados devido à quarentena imposta26, mesmo após a recuperação, com eventuais sequelas económicas e emocionais19. Uma vez que os surtos têm ocorrido em zonas com limitados recursos médicos, técnicos, higiénicos e económicos, a sua ocorrência debilita e empobrece ainda mais a região atingida12, 19, 26. Ainda assim, os danos humanos e económicos causados por estes vírus são inferiores a outras doenças tropicais endémicas, muito mais frequentes, causadas também por microrganismos19, 24, como a malária, cólera, HIV, dengue e até a tuberculose24.
Alguns dados históricos
O 1º surto de Ébola foi reconhecido em 19761, 9, 10, 24, 26-29, no Sudão1, 10, 24, 26, 27 e Zaire (agora designado por República Democrática do Congo)1, 9, 24, 26, 27, com letalidade de 53%24. Desde aí já se contabilizaram vinte surtos na África Central (a maioria causada pelo vírus Ébola Zaire), com letalidade de cerca de 90%27 ou, segundo outro estudo, vinte e quatro surtos de Ébola e onze de Marburg, todos na África Subsariana23, 24.
No Uganda, por exemplo, têm existido vários episódios: até 2007 apenas há registo de um surto de Ébola mas, desde aí, já foram oficializados seis eventos (três de Ébola e três de Marburg)30, sendo que num deles se descobriu uma estirpe nova, denominada por Bundibugyo1, 9, 23, 26, 30, parecido com o vírus de Cote D’ Ivoire26.
Nos últimos anos foram descobertas novas estirpes, nomeadamente a Reston1, em macacos laboratoriais, exportados das Filipinas1, 3, 19, 24, 31 e o vírus da Tai Forest1.
O Ébola Reston é o único vírus desta família que não causa infeção sintomática em humanos1, 4, 7, 8, 16, 24, 26, 29 32, 33 e foi isolado em 19891, 3, 24, 26, 31. A designação Reston advém do nome da cidade da Virgínia, onde ocorreram as mortes dos macacos importados3, 29. Onze anos depois de terem sido encerradas as instalações onde residiam esses macacos, encontrou-se (em 2008) o vírus em duas explorações de suínos7, 8, 11, 26, 31, razoavelmente perto das instalações encerradas7, 8, 31. Os porcos geralmente apresentavam uma infeção respiratória grave7, 8; contudo, foram também encontrados simultaneamente outros vírus, com morbilidade respiratória, pelo que ficou a dúvida se a semiologia poderia ser totalmente atribuída ao vírus Reston7. Acredita-se que nos porcos o vírus consegue replicar-se nas células do aparelho respiratório superior, pelo que se encontra nas secreções localmente produzidas7, 8. A nível do aparelho digestivo dos porcos, o vírus foi detetado esporadicamente8. Contudo, acredita-se que os suínos não constituem um reservatório da doença, sendo apenas hospedeiros acidentais. Em suínos nunca foi isolada outra estirpe para além do Reston7. No entanto, alguns investigadores consideram que outras estirpes poderão ter capacidade de infetar porcos e, secundariamente, humanos8. As más condições de higiene nas instalações onde residiam os porcos e os macacos poderão ter contribuído para uma maior disseminação da doença7.
Presentemente, existem então as estirpes Zaire2-5, 9-15, 31, 32, 34, 35 (com letalidade de 90%)2, 5, 8-11, 14, 15, 23, 26, Sudão 2, 4, 8, 10-13, 26, 31, 32, 36 (502, 11 ou 55%5, 9), Reston2, 4, 5, 10-13, 15, 32, 34, 36 (0%)2, 19, 23, Tai Forest4, 31 ou Côte de Ivoire5, 9-12, 14, 15, 26, 32, 34 (um caso único não fatal23, 24, num indivíduo que tinha realizado uma autópsia a um chimpanzé)12, 13, 24, 26, 32, 36 e o Bundibugyo4, 5, 9, 11, 31, 32, 34 (com a estimativa de 36% de letalidade)5. Contudo, alguns autores consideram que as percentagens de letalidade poderão estar inflacionadas, porque não são contabilizados os eventuais infetados assintomáticos ou sintomáticos não diagnosticados corretamente 11.
O vírus Marburg é constituído apenas por uma estirpe designada por Lake Victoria5, 12, 29, 34, descoberta em 19673, 5, 24, 28, 29, 37, 38, 39 e apresenta uma letalidade que oscila entre os 20 a 88% 23. O primeiro surto foi detetado na Alemanha (na cidade que lhe deu o nome) e na Sérvia (antiga Jugoslávia)12, 29, 39, em técnicos de laboratório que manipulavam macacos infetados, importados do Uganda24. Ocorreram 31 casos (sendo que 25 foram por infeção direta por contato com os macacos infetados), com sete desfechos fatais. Desde aí, apenas se reportaram casos esporádicos na África do Sul em 1975 (com três casos e uma morte) e no Quénia em 1980 (com dois casos e uma morte); em 1987 ocorreu também neste país outro caso fatal. Contudo, entre 1998 e 2000 e também entre 2004/5, existiram surtos grandes na República Democrática do Congo (154 casos e 83% de letalidade, sendo que a maioria trabalhava em minas de ouro) e Angola – este foi o maior surto de todos (com 252 casos e 227 mortes oficializadas12, 24, 29, ou seja, com uma letalidade de cerca de 90%)3, 5, 24, 29, 37. A partir daí surgiram pequenos surtos no Uganda (2007 e 2008), em mineiros (com seis casos e duas fatalidades)24.
Não se percebe com clareza se os surtos estão realmente a ser mais frequentes1, 30 ou se a atenção e vigilância é que se aperfeiçoaram, de modo a detetar e assinalar com maior rigor os casos; para tal também contribuiu certamente o apoio técnico e financeiro de algumas instituições internacionais, como a OMS (Organização Mundial de Saúde); para além disso, a semiologia (conjunto de sinais e sintomas) da doença filo viral está cada vez mais divulgada e familiarizada entre os profissionais de saúde24. Por sua vez, também se acredita que os humanos, nas suas atividades de caça (para ingestão ou comércio), interatuem mais com zonas que podem constituir reservatório natural dos filovírus24, 26, 30 de realçar que a prevalência dos filovírus é maior nas áreas de floresta (19,4%), face às de pradaria (12,4%), savana (10,5%) e lagos (2,7)11, 24. Para além disso, a evolução técnica e económica da maior parte dos países desenvolvidos facilita o turismo intensivo, ou seja, com indivíduos a passar por vários países, numa parcela de tempo relativamente curta. Noutro contexto, por problemas político/bélico/económicos, as famílias poderão estar dispersas por vários países, o que também potencia as viagens de reencontro. Por vezes, a exploração mineral ou a construção de vias de trânsito ou outras infraestruturas, também poderão facilitar o contato com zonas e indivíduos que, até aí, estavam isolados. A própria procura de cuidados médicos pode justificar viagens razoáveis e maior difusão da doença26.