1 – Algumas questões de enquadramento
A vida em sociedade continua, ainda hoje, a ser profundamente dominada pelo trabalho, apesar dos avanços técnicos e tecnológicos das últimas décadas terem atingido níveis de desenvolvimento singulares em toda a história da humanidade. Seria suposto que os referidos avanços tivessem libertado o homem não somente dos trabalhos fisicamente mais fustigantes (o que acabou, em parte, por acontecer), mas particularmente do tempo que despende a trabalhar. Atualmente, poderíamos e deveríamos reduzir os horários de trabalho, porque temos um nível de desenvolvimento sociotécnico que nos permite manter um elevado padrão de vida sem ter de trabalhar tanto tempo. Na verdade, nunca produzimos tanto, nem nunca tivemos tanta capacidade produtiva, mas isso não significa que estejamos a produzir cada vez melhor 1. Paralelamente, isso não significou uma melhor distribuição dos recursos produzidos, bem pelo contrário. No mundo ocidental a assimetria entre ricos e pobres parece estar “inexplicavelmente” a crescer. Omodelo de organização social capitalista, através das suas atuais políticas neoliberais, é o principal responsável por muitas das imorais assimetrias contemporâneas. Em determinados contextos, surpreendentemente, o capitalismo nem sempre tem sofrido grande resistência por parte dos trabalhadores (Varela, 2012).
Infelizmente, as técnicas e as tecnologias (que suportam largamente este aumento produtivo) não foram colocadas ao serviço do homem (leia-se, em favor do bem comum), mas antes em prol de pequenas fações ou grupos dominantes, tal como os autores da Escola de Frankfurt (Marcuse, Habermas, Adorno e outros) tão oportunamente já tinham identificado. Com a emergência da revolução tecnológica seria suposto trabalhar menos do que aquilo que trabalhamos, mas, como já foi referido, o capitalismo só funciona mediante a obtenção de lucro (e para isso é necessário que se mantenham níveis elevados de consumo). Se é verdade que o capitalismo nos trouxe alguns benefícios, também é verdade que acarretou inúmeras perversidades sociais (onde podemos incluir, por exemplo, os acidentes de trabalho e as doenças relacionadas com o trabalho – incluindo ao nível mental).
“(…) Atualmente, poderíamos e deveríamos reduzir os horários de trabalho, porque temos um nível de desenvolvimento sociotécnico que nos permite manter um elevado padrão de vida sem ter de trabalhar tanto tempo.”
Dada a sua importância, volto a frisar que a noção de “obsolescência programada”, a qual está intimamente relacionada com práticas “fraudulentas” de produção, acaba por ser um exemplo da nossa profunda “desorganização social do trabalho”. Em parte, foi por isto que o novo estádio evolutivo não significou uma diminuição considerável do trabalho, bem como o tempo que se lhe dedica; logo, por consequência, não libertou o homem, por exemplo, para o campo do lazer, da cultura e do bem-estar. O resultado desta desnecessária (sublinho desnecessária porque atualmente, ao contrário do passado, existem alternativas sustentáveis para inverter esta lógica) sobrecarga de trabalho para o homem transforma-se, entre muitas outras situações, na perpetuação de níveis elevados de acidentes de trabalho e em múltiplos danos à saúde, os quais acabam por desestruturar a integridade física e mental dos trabalhadores. Mas afinal por que é que o capitalismo pode ser determinante para no aumento dos acidentes e de alguns tipos específicos de doenças? A principal razão para isso (embora longe de ser a única) é porque dentro desta teia de interesses somos “obrigados” a trabalhar mais e em condições que poderiam ser bem melhores (caso não houvesse a incessante procura do lucro e da respetiva concentração de capital, o que acaba por condicionar a melhoria das condições de trabalho), mas não o são, dado que os recursos produzidos pelo trabalho são canalizados para pequenos grupos poderosos. Neste contexto, continua a fazer sentido falar na exploração do homem pelo homem (tal como Marx já tinha preconizado). Todavia, é precisamente esta exploração que acaba por estar a montante da ocorrência de tantos acidentes (quer sejam acidentes “maiores” ou industriais, quer sejam acidentes “menores” ou de trabalho), bem como em alguns tipos de doenças associadas à elevada sobre carga de trabalho (Areosa, 2014).
Outra questão importante da relação entre o capitalismo e os acidentes de trabalho é avançada por Filho et al. (2007). Na verdade, o avanço de políticas neoliberais implementadas por alguns Estados tem vindo a dar origem ao seu enfraquecimento (inclusive ao nível da vigilância das condições de trabalho), multiplicando determinadas ambiguidades, onde podemos incluir, por exemplo, a transferência das questões relacionadas com a segurança no trabalho para o “controlo interno” das próprias empresas. Este facto pode dar origem a algumas peculiaridades; apesar da suposta autonomia dos técnicos de segurança no trabalho, verifica-se que o seu trabalho dentro das organizações, em alguns casos, tende a ser fortemente secundarizado, ou mesmo “sabotado” por questões de ordem económica ou produtiva (novamente aqui entra a questão do lucro). Para além disso, estes técnicos encontram-se quase sempre dependentes do controlo hierárquico da organização (o que por si só pode ser visto como um forte constrangimento à sua alegada autonomia). Não são despicientes as situações em que as atividades dos técnicos de segurança no trabalho são ignoradas ou desrespeitadas (Areosa, 2012).
É verdade que muitos outros aspetos poderiam ser aqui colocados, mas não é o objetivo deste texto discutir os diversos efeitos do capitalismo; apenas pretendemos efetuar um breve enquadramento para destacar a sua importância no contexto dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
2 – Segurança, condições de trabalho e acidentes
A segurança e as condições de trabalho devem ter uma responsabilidade partilhada entre todos os agentes sociais das organizações. Dada a importância que estes temas se revestem seria suposto que nenhum dos intervenientes da organização se pudesse demitir dessa mesma responsabilidade; logo, a cultura de segurança de qualquer empresa deve ter por base condições seguras, implementadas e praticadas por todos os membros da organização durante as atividades laborais/produtivas. É desejável que todos os membros pertencentes às empresas contribuam para a elaboração e promoção de uma cultura de segurança que permita reduzir as falhas, os eventos inesperados e, por consequência, a própria sinistralidade laboral. Será este objetivo fácil de alcançar em todas as organizações? Creio que não, mas em algumas verifica-se que isso é possível (mesmo que, por vezes, ocorram algumas contrariedades).