Vivemos hoje uma época em que, para além de, e mais do que, alterações legislativas formais, todos os dias assistimos à inutilização prática de direitos, e direitos fundamentais, dos cidadãos e à imposição da lógica de um verdadeiro “estado de sítio” (não formalmente declarado, é certo).
Entre muitas outras instituições, duas se destacam nessa forma de actuação, em que os constitucionalmente consagrados princípios da justiça, da proporcionalidade, da boa fé e da transparência nas relações com os cidadãos administrados são pura e simplesmente pulverizados no dia a dia: a Administração Tributária e a Segurança Social.
O Fisco, alicerçado em normas legais mas sobretudo em circulares e procedimentos internos – que, todavia, não vinculam os cidadãos nem podem contrariar a Lei – trata as mais das vezes o cidadão contribuinte como um “inimigo” ou “alvo” a abater, partindo desde logo da presunção, ilegítima, ilegal e inconstitucional, da ilegalidade dos actos do administrado. Quer dizer, em princípio e à partida este é um incumpridor e/ou um golpista que teria assim e sempre por estrita obrigação, sob pena das mais variadas consequências negativas, de demonstrar o oposto à Autoridade Tributária.
Alguns exemplos: notificações postais tão propositada quanto sistematicamente feitas por via postal no mês de Agosto (em que, como é sabido, a maior parte dos cidadãos trabalhadores goza férias), criando-se assim artificialmente a ultrapassagem de prazos, de impugnação de liquidações erradas e outros; a exigência consecutiva, durante anos e anos a fio, da produção de prova do mesmíssimo facto (por exemplo, cópia da decisão ou regulação do poder paternal e da fixação da pensão de alimentos) que todos os anos é entregue e todos os anos é exigida; exigência de entrega de recibo do beneficiário da pensão ou do seu representante legal não obstante o mesmo já ter feito constar o respectivo recebimento na sua própria declaração de rendimentos; aplicação de coimas de montantes brutais pela ultrapassagem, por um só dia que seja, do prazo de entrega de uma simples declaração; liquidações de impostos, designadamente oficiosas, que nenhuma correspondência têm com a situação real do contribuinte em causa, tudo numa postura de inflexibilidade que contrasta em absoluto com os “acordos” feitos com os grandes (enormes) contribuintes e devedores, com os clubes de futebol e os grandes empresários à cabeça; utilização absolutamente desproporcionada da penhora judicial de bens indispensáveis ao cidadão (como a casa ou o carro) para obtenção de pagamento de alegadas dívidas fiscais de valor muito inferior; sistemática ultrapassagem dos limites legais estabelecidos para a penhora de salários e vencimentos; discussão e recursos até à última das últimas instâncias judiciais (o Supremo Tribunal Administrativo) para discutir o que é devido ao cidadão, aliás tal como a Vice-Presidente daquele Supremo Tribunal recentemente denunciou.