A justificação do desmantelamento do Direito do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores tem passado, quer a nível da atividade legislativa, quer a nível da doutrina e da jurisprudência laborais, por vários caminhos que, distintos embora, conduzem afinal ao mesmo resultado – o da consecutiva eliminação daqueles direitos e o aumento da inefectividade prática dos que ainda restam formalmente consagrados.
A primeira vertente (a legislativa) desse processo passou por sucessivas reformas laborais, iniciadas em especial pelo Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/3) e levadas ao seu expoente máximo no âmbito das chamadas “políticas de austeridade” e sob a invocação (e não raras o pretexto, porque não se encontravam sequer nele previstas) do chamado “Memorando de Entendimento com a Tróica”, com profundas alterações às leis laborais, em particular por via das Leis nºs 23/2012, de 25/6 e da Lei 69/2013, de 30/8. Umas e outras foram sempre apresentadas como visando o aumento da competitividade das empresas e da economia, tudo isto mediante a permanente invocação dos chavões da “flexibilidade” e da “adaptabilidade” ou “mobilidade”, quer temporais, quer funcionais, quer geográficas.
E passou também, sobretudo a partir de 2012, pela assumida restrição e mesmo, nalguns casos, eliminação de direitos sociais (como sucedeu, por exemplo e entre outros, com as alterações ao subsídio de desemprego, ao rendimento social de inserção, ao complemento solidário para idosos), conduzindo à exclusão do acesso a tais direitos, por parte de centenas de milhares de cidadãos desempregados, idosos, doentes e esfomeados.
A segunda vertente (a “teórica”), por seu turno, tem consistido no desenvolvimento de uma autêntica “contrarrevolução” relativamente aos grandes princípios jurídicos, e à sua revogação e/ou paulatina substituição por outros mais adequados aos grandes interesses económico financeiros, mas cujos pressupostos e fundamentos nunca foi, porém, possível debater, antes tratando-se de os apresentar como se de “verdades” indiscutíveis e incontornáveis se tratassem. E também num processo de sucessiva inutilização prática dos direitos ainda remanescentes (nomeadamente no que respeita ao direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, hoje cada vez mais transformado – com o astronómico valor das custas judiciais nas acções laborais – num luxo só ao alcance de alguns).
As mais profundas alterações às leis laborais das políticas de austeridades (sobretudo a Lei nº 23/2012, de 25/6, e a Lei nº 69/2013, de 30/8) intervieram em quatro vectores essenciais: facilitação e embaratecimento dos despedimentos, em particular dos baseados nas chamadas “justas causas objectivas”; facilitação da contratação precária; aumento dos tempos de trabalho; diminuição dos salários e demais das condições remuneratórias.
No primeiro vector, tratou-se no essencial de tornar (ainda) mais fáceis de consumar os despedimentos colectivos, os despedimentos por extinção do posto de trabalho e os chamados despedimentos por inadaptação (hoje muito próximos de despedimentos por uma alegada “inaptidão” superveniente do trabalhador independentemente da idade ou saúde deste, ou ainda da existência ou não de quaisquer modificações no respectivo posto de trabalho); e de diminuir drasticamente a forma de cálculo das respectivas indemnizações, passando de 30 para 20 dias e depois, a partir de 1/10/2013, para 18 dias (nos 3 primeiros anos) e 12 dias (quanto ao 4º ano e seguintes) de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade.
O segundo vector consistiu em, no Código do Trabalho, alargar as possibilidades de contratação precária (como sucedeu com o contrato de comissão de serviço através da Lei nº 23/2012), diminuir a compensação devida pela respectiva caducidade (agora de apenas 18 dias, e não 30, de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de duração da contratação a termo certo, e diminuindo para 18 e depois para apenas 12 dias por cada ano nos contratos a termo incerto), tudo por força das alterações do nº 2 do art.º 344º e do nº 4 e do art.º 345º do Código do Trabalho introduzidas pela Lei nº 69/2013, de 30/8, e finalmente em admitir renovações extraordinárias da mesma contratação precária (possibilitadas, por mais 2 anos, pela Lei nº 76/2013, de 7/11).