Em Janeiro deste ano jornalistas da RTP em trabalho de reportagem na zona da Urgeiriça, concelho de Nelas, tomaram conhecimento da existência de um stock de urânio guardado nas instalações da antiga Empresa Nacional do Urânio (ENU). Este stock, de cerca de 200 toneladas de concentrado de urânio (também chamado “yellow cake”), é o que resta das 4370 toneladas produzidas durante 50 anos nas instalações da ENU junto da antiga mina da Urgeiriça.
A existência do stock de urânio, talvez desconhecido de muita gente, originou interrogações sobre a perigosidade do material armazenado, a vulnerabilidade do local e a possibilidade de grupos terroristas dele se apossarem para fabrico de bombas atómicas artesanais a usar em hipotéticos e devastadores atentados.
As interrogações formuladas levaram a uma reportagem e à organização de um fórum de debate televisivo que procurou dar-lhes resposta, sem todavia esgotar o assunto [1]. Em boa verdade essas interrogações são pertinentes e geraram alguma inquietação acerca dos riscos ligados ao urânio. Por isso mesmo importa informar com rigor e clareza para se saber situar corretamente o nível de risco e garantir a segurança do público.
Afinal, o que é o urânio e porque há um stock de concentrado de urânio em Portugal?
O Urânio: um recurso mineral de interesse estratégico
O urânio é um metal denso, radioactivo e quimicamente tóxico para os humanos. Embora conhecido desde 1789, só em 1896 se descobriram as propriedades radioactivas do urânio (emissão espontânea de radiações ionizantes) e em 1945 se veio a descobrir como causar a fissão em cadeia dos átomos de urânio e libertar de forma explosiva tremendas quantidades de energia. A primeira bomba atómica construída com urânio foi testada em 1944 no deserto de Nevada nos EUA, e outra de maiores dimensões foi deflagrada em Hiroxima, logo seguida por outra de plutónio em Nagasaki, levando à rendição do Japão e pondo fim à II Guerra Mundial [2].
O controlo da reação nuclear em cadeia permitiria a utilização deste processo físico para a produção de energia elétrica, tendo as primeiras centrais de produção entrado em funcionamento no início dos anos 50 do século passado [3].
O duplo interesse no urânio para fins militares e para produção de energia elétrica levaria à extraordinária valorização do urânio e a uma corrida à sua prospeção e exploração em todo o mundo. A maioria dos Governos classificou este metal como material de interesse estratégico e passou a controlar a sua exploração e armazenamento.
Contudo, o urânio isolado, isto é, depois de separado dos outros elementos radioactivos seus descendentes e que estão presentes no minério, é pouco radioactivo (emite pouca radiação ionizante). A maior parte da radioactividade do minério de urânio é devida a isótopos radioactivos do tório, rádio, polónio, chumbo e bismuto que, no processo de separação química do urânio para a produção do concentrado de óxido de urânio, vão com os resíduos (¨rejeitados¨) para a escombreira [4].
A exploração de urânio em Portugal
Em Portugal a exploração de minérios radioactivos começou em 1911, tal como sucedeu num pequeno número de países europeus. Nessa altura o objetivo da extração era o rádio o qual, na esteira das descobertas dos Curie, era usado para o tratamento do cancro (“fontes de rádio”, que deram origem à radioterapia) [5]. O urânio, progenitor do rádio, era então um metal com muito pouco valor e era deitado fora para as escombreiras de resíduos. O interesse nestes dois elementos radioactivos só viria a inverter-se no final da II Guerra Mundial, tendo o urânio sido valorizado e o rádio perdido gradualmente o valor comercial. A Mina da Urgeiriça, que já funcionava desde 1913 para produção de rádio, viria a tornar-se a principal produtora de urânio no país, tendo as instalações da Urgeiriça (as últimas instalações de produção de urânio em Portugal) encerrado em 2001.
De 1911 a 2001 foram exploradas 60 minas para a produção de rádio e de urânio em Portugal. Inicialmente o minério era exportado em bruto, e pouco valor era acrescentado. Com a criação da Oficina de Tratamento Químico na Urgeiriça os minérios radioactivos passaram a ser tratados ali e o urânio a ser separado e transformado em concentrado de óxido de urânio, forma sob a qual é comercializado no mercado mundial. [6]
Em Portugal produziram-se cerca de 4370 tons. de concentrados de óxido de urânio (U3O8), que ao longo dos anos foi vendido à França, Reino Unido, EUA e Iraque. A última venda de concentrados foi efetuada em 2005, tendo ainda restado as quase 200 tons. agora referidas pela comunicação social. A história da produção, tutela, e venda de urânio em Portugal não foi simples, mas não cabe aqui descrevê-la [7,8]. Com a decisão governamental de encerrar as minas e a ENU, terminou um período de quase um século de atividade extrativa de minérios radioactivos e produção de rádio e de urânio em Portugal.