Resumo
As estatísticas informam que o acidente de trabalho de queda em altura é das principais causas de morte no setor da construção em Portugal.
Com base nas lacunas legais nacionais e regulamentos normativos aplicáveis, pretende-se com o presente estudo identificar medidas organizacionais e legais que contribuam para o aumento da eficácia da proteção coletiva temporária guarda corpos. A recolha de dados procedeu-se através de um inquérito por questionário, do qual se obtiveram 155 respostas de técnicos superiores de segurança e higiene no trabalho. Os resultados da análise e verificação das hipóteses concluem sobre a importância de outros requisitos não legislados ou usualmente não considerados. São estes, entre outros, os ensaios, a certificação, a altura mínima de implementação, procedimentos e registos específicos da sua utilização.
Palavras-chave
Construção, guarda corpos temporários, legislação, queda em altura.
1. Introdução
No setor da construção os postos de trabalho não são imóveis, fixos ou permanentes, sendo muitas vezes temporários apenas por algumas horas. O trabalhador para exercício das suas funções num estaleiro de construção pode ocupar, utilizar ou aceder a vários postos de trabalho por dia. A falha na coordenação dos trabalhos e os prazos de execução inadequados são fatores potenciadores de risco (Cabrito, 2002) que advém da natureza dinâmica do processo de construir que atrai a perigosidade do setor, e a atenção de todos quantos se preocupam e escrevem sobre a segurança e higiene no trabalho (SHT) na construção.
A sinistralidade laboral nacional é conhecida através de vários organismos entre eles, o Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) e a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Segundo as publicações anuais dos boletins de estatísticas em sínteses de acidentes de trabalho emitidas pelo GEP, no período compreendido entre 2000 e 2010, a construção destacou-se na segunda atividade económica com maior registo de acidentes de trabalho e a primeira em acidentes mortais. Não considerando pertinente ao presente a extensão da delimitação do conceito de acidente de trabalho constante no artigo 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, destaca-se o primeiro ponto do seu artigo 8.º: “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte;”. Os danos e custos sociais dos acidentes graves e problemas de saúde dos sinistrados são um encargo para gerações presentes e futuras (Couto, 2007). O estudo de Couto (2007a) sobre o incumprimento dos prazos na construção constata que embora estes não sejam uma das principais causas dos atrasos, quando ocorrem podem ser determinantes para o desenrolar dos trabalhos comprometendo em alguns casos o sucesso de todo o projeto. Em estudo complementar, verificou que apenas 7% dos 59 donos de obras públicas inquiridos discordam que muitas vezes sacrificam-se as mais elementares regras de segurança e saúde dos trabalhadores, em benefício do cumprimento dos prazos e datas de inauguração. De acordo com a ACT, a atividade da construção continua após 2008, e até 2011, lidera os acidentes de trabalho mortais com o maior registo de inquéritos realizados. Salvaguarda-se que a realização do inquérito pode não coincidir com o ano da ocorrência do acidente, pois a ACT regista e atua na data da tomada de conhecimento. A este propósito, apresenta-se graficamente o número de acidentes de trabalho mortais motivados por quedas em altura no setor da construção.
Verifica-se que entre 2008 e 2010, as quedas em altura são responsáveis por mais de um terço dos acidentes mortais na construção. Em 2011 reduziram ligeiramente. Sem dúvida que uma das principais causas de morte na construção são as quedas em altura (Vicente e Batista, 2006). O estudo das causas dos acidentes de queda em altura é vulgarmente agrupado em categorias como “deficiência de proteções coletivas”, ou “ausência de proteções coletivas”, o que evidencia o consenso da sua importância. A proteção coletiva temporária de aplicação nas bordas – sistema guarda corpos, de em diante designado guarda corpos (GC), é considerada a proteção mais utilizadas na construção em Portugal para controlo do risco de queda em altura (Cabano, 2013). É também altamente sugerida para o efeito (Vicente e Batista, 2006a; Dias, 1997).
Esta razão, no seguimento da problemática apresentada, torna necessária a sua atenção em favor da melhor eficácia. De um modo geral, o estudo trata assuntos de “como” o setor da construção, à luz da legislação aplicável, e procedimentos internos das organizações, utiliza estas proteções coletivas, e qual a sua influência. A finalidade do presente consiste em alertar e consciencializar os intervenientes e interessados na temática no setor da construção que, no respeitante à proteção coletiva temporária “guarda corpos” não é suficiente cumprir com a legislação aplicável em vigor para garantia da eficácia e funcionamento dos “guarda corpos” na prevenção de acidentes de queda em altura. Por consequência, ou mesmo por base, pretende-se evidenciar a urgência na atualização da legislação, procedimentos internos e normas nacionais em favor da melhor prevenção do risco de queda em altura no setor da construção em Portugal.
“(…) “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte; (…)”
Decreto n.º 41821 de 11 de agosto de 1958
O vigente Decreto n.º 41821, de 11 de agosto de 1958 estabelece o Regulamento de Segurança no Trabalho na Construção Civil (RSTCC). Nesta data, em 1958, torna-se no primeiro diploma a focar especificamente o risco de queda em altura e a sua proteção coletiva com guarda corpos iniciando a introdução jurídica do conceito de guarda corpos e guarda cabeças. É também o primeiro diploma nacional a advertir da prioridade da utilização de guarda corpos face à utilização de cintos de segurança (ponto 2, artigo 44.º). Daqui pode depreender-se que o objetivo da proteção coletiva é diminuir a probabilidade da ocorrência do acidente e/ou incidente, enquanto a proteção individual pretende minimizar a sua provável consequência. Mais tarde, a prioridade na implementação de proteções coletivas é claramente generalizada e reforçada pelo ponto 2 do artigo 6.º da Diretiva 89/391/CEE constituindo um dos princípios gerais da prevenção: “h) Dar prioridade às medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;” O artigo 40.º, para além de mencionar a obrigatoriedade de implementação de GC estabelece os requisitos de construção ou constituição, como a altura do guarda-cabeças e a abertura de vão livre máxima entre o material horizontal da proteção (travessões/elementos). Em análise a este artigo, verifica-se que um travessão a 1 metro de altura do pavimento, e outro com 0,14 m do solo (guarda cabeças), determina uma distância de vão livre de 0,86 m. Alterando a altura do guarda cabeças num centímetro, para 0,15 m, de resto permitido e recomendado como se indicará adiante, obtém-se os igualmente permitidos 0,85 m de vão livre entre estes travessões/elementos horizontais. A crítica é geral e previsível: “(…) a abertura permitida de 85 cm permite facilmente a passagem de um corpo adulto de boa constituição, em caso, por exemplo de queda por escorregamento.” (Pinto, 2005). No entanto, os extintos Instituto de Desenvolvimento e Inspeção das Condições de Trabalho – IDICT e Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho – ISHST atualmente a ACT, tentam minimizar eventuais efeitos negativos com definições de GC semelhantes com a seguinte: “proteções periféricas da plataforma de trabalho compostas por dois elementos horizontais situados a partir da plataforma a 1 m e a 0,45 m de altura.”. Definem também guarda cabeças com a designação de rodapé: “são constituídos por um elemento horizontal com 0,15 m de altura que impede a queda de materiais da plataforma de trabalho.” (Dias, 1997a; Vicente e Batista, 2006b).
Recorre-se agora ao artigo 36.º do mesmo Decreto-Lei – “Os passadiços, pranchadas e escadas aplicáveis em vãos até 2,5 m deverão ser fixados solidamente nos extremos e, a partir da altura de 2 m, terão guarda-cabeças e corrimãos (…)”– para entender que é a partir de 2 metros de altura que se estabelece a obrigatoriedade de implementação de medidas de prevenção e/ou proteção contra a queda em altura. Face à omissão na legislação nacional relativa à altura a partir da qual é obrigatória a implementação de medidas de prevenção e/ou proteção contra a queda em altura compreende-se para o efeito, e com referência a este artigo, que seja razoável assumir os 2 metros de altura. Impulsionados pela omissão ou pouca clareza legislativa, os profissionais do setor e da segurança no trabalho apresentam dúvidas e discussão sobre o assunto.
A interpretação das referências aos guarda corpos pelos termos “fixado solidamente” (Artigo 36.º), ou “estabilidade suficiente” (Artigo 84.º), ou “pregados solidamente” (Artigo 23.º) ou “fixados sobre” (Artigo 40.º), não são suficientemente esclarecedoras para o elevado papel que estes pretendem cumprir na segurança do trabalhador. Nesta omissão, ou pouco esclarecimento, assentam motivos para não se testar, ensaiar ou verificar a totalidade da eficácia do funcionamento da proteção.
Em 1958, comentam os legisladores relativamente a este diploma: “(…) mostraram-se urgentes face à atualização das normas, já de si rudimentares e insuficientes, que se revelavam obsoletas e não aplicáveis ao avanço da técnica e os novos métodos de trabalho atuais e que tantas alterações profundas provocam no setor da construção civil.” (Ponto 3, DL n.º 41820 de 11 de agosto de 1958). A atual vigência destes diplomas recicla a necessidade de 1958 para o presente.