Escrevo esta coluna no preciso momento em que a comunicação social noticia a intenção do Governo de tomar uma série de medidas para combater o verdadeiro flagelo dos acidentes de trabalho com tractores, quase sempre muito graves e/ou mortais, que assola o nosso sector agrícola.
É uma realidade para a qual, de há vários anos a esta parte, eu e muitos outros temos chamado a atenção, temos denunciado, temos feito eco e temos apresentado propostas que têm esbarrado na surdez, para não dizer indiferença, das autoridades (in)competentes.
Deixando de fazer demagogia com estatísticas que escondem a realidade (mesmo que com argumentos tecnicamente correctos) o Governo vem agora assumir que este tipo de acidentes provocou mais de 220 vítimas mortais nos últimos 3 anos, sendo que, só neste ano e até final de Agosto, esse número já ascende a mais de 50 mortos.
É um assumir corajoso de uma realidade cada vez mais difícil de esconder e que contraste com a mentira institucionalizada de números como os da estatística de acidentes de trabalho publicada no site da ACT e que, para o mesmo período deste ano reduz esse número para todo o sector de Agricultura, Produção Animal, Caça, Floresta e Pesca a 10 vítimas mortais. Ou seja, dos 52 agora assumidos pelo Governo, mais de 40 “desaparecem” das estatísticas oficiais dos acidentes de trabalho. E por mais técnica e metodologicamente correctas que sejam as razões para o “manto diáfano” com que escondem essas vidas perdidas, por certo elas pouco interessarão às famílias das vítimas e não nos devem satisfazer enquanto sociedade.
A concretizar-se, saúda-se também e de forma efusiva a decisão governamental da criação de uma plataforma onde fiquem registadas as causas e consequências dos acidentes com tractores. Trata-se de uma medida que vem dotar de transparência uma área que prima pela opacidade e pelo “varrer para debaixo do tapete”, permitindo a subsistência de miragens enganadoras e falácias como as estatísticas da ACT. Mas esta medida permitirá também extrair lições dos acidentes ocorridos, pôr a nu os erros e incumprimentos que estiveram na origem desses acidentes e desta forma contribuirá para combater a repetição dos actos e condições inseguras que para eles contribuíram. Mais, trata-se de uma medida que penso que faria todo o sentido alargar ao universo dos acidentes de trabalho graves e mortais. Esta prática já é seguida em vários países, como seja o exemplo do Reino Unido, onde estes acidentes, com as respectivas circunstâncias, causas e consequências, são publicitados no site do Health & Safety Executive, possibilitando ainda a penalização social das empresas incumpridoras.