No anterior número da revista iniciei uma análise, forçosamente pessoal, da nova Estratégia Europeia de Segurança e Saúde no Trabalho, desta vez para um horizonte temporal alargado que se estende entre 2014 e 2020. E ficou logo bem claro que sobre ela tenho uma visão bastante crítica, por ser minimalista, pouco ou nada ambiciosa e, em muitos aspetos, meramente folclórica e perigosamente potenciadora de recuos numa área onde, até agora, a União Europeia era líder incontestada.
No anterior artigo falei sobre os três desafios identificados pela UE e aos quais se propõe responder, apontando sete principais objetivos estratégicos. É sobre eles que me debruçarei neste artigo.
O primeiro consiste em “Consolidar mais as Estratégias Nacionais”. Para o alcançar a UE “convida” os Estados-Membros a “estudar a possibilidade de rever as suas estratégias nacionais à luz do novo quadro estratégico da UE para a SST, em estreita consulta com as partes interessadas, nomeadamente os parceiros sociais”. Este objetivo aparentemente passa ao lado de Portugal pois, por um lado a nossa Estratégia Nacional 2008-12 já propunha algumas medidas para responder a desafios que a UE só agora identifica e, por outro, porque no momento em que escrevo este artigo as autoridades nacionais ainda não conseguiram, ou não quiseram, fazer o balanço da aplicação dessa nossa Estratégia e já agora diga-se em abono da verdade que os parceiros sociais não têm manifestado grande incomodidade com essa situação.
O segundo objetivo consiste em “Facilitar o cumprimento da legislação em matéria de SST, nomeadamente pelas microempresas e pequenas empresas”. Aleluia! A UE finalmente descobriu o que todos os europeus já tinham reparado, ou seja, que a maior parte da legislação comunitária de SST assenta num paradigma de empresa (a grande empresa) que não corresponde, nem de longe, ao tecido empresarial europeu, sobretudo na Europa dita do Sul. O objetivo 8º da nossa Estratégia Nacional visava exatamente esse propósito. 6 anos antes das cabeças pensantes de Bruxelas descobrirem a “roda redonda”. Curiosamente esse foi exatamente um dos objetivos da nossa Estratégia cuja implementação mais deixou a desejar. Espero que a Estratégia Europeia seja melhor sucedida nesse campo.
O terceiro objetivo consiste em “Melhor controlo do cumprimento da legislação em matéria de SST pelos Estados-Membros”. Aqui a posição da Comissão Europeia roça a hipocrisia. Começa por afirmar que “Frequentemente a primeira vez que empresas e trabalhadores tomam conhecimento da regulamentação relativa à SST é aquando da visita de um inspetor de trabalho”. E daí conclui que “há deficiências de informação”. Nenhuma referência à falta de formação, à chamada “cultura de prevenção” e ao desmantelar das estruturas de prevenção em muitos países e à sua substituição pelas estruturas inspetivas. Como é o caso em Portugal. A solução para a Comissão Europeia é a esperada e a errada. Transforma o inspetor de trabalho num elemento “híbrido”, misto de prevencionista e fiscalizador, orientador e penalizador, esquecendo mesmo que em muitos países, como é o caso de Portugal, o inspetor de trabalho não é um inspetor específico das condições de trabalho mas sim um inspetor generalista sobre toda a legislação que rege a prestação de trabalho assalariado. E conclui hipocritamente que “é fundamental que os inspetores de trabalho sejam considerados como facilitadores do cumprimento da legislação e não como obstáculos à atividade empresarial”. E “generosamente” (é tão fácil ser generoso com o dinheiro dos contribuintes…) avança que, “atendendo às limitações orçamentais, os programas de financiamento da UE (incluindo o FSE), podiam ser mais bem utilizados para proporcionar às inspeções de trabalho os recursos necessários. Sobre isto gostaria apenas de lembrar que, de há alguns anos a esta parte a Agência Europeia, por ordem da Comissão Europeia, deixou de financiar diretamente os Pontos Focais na sua atividade de Promoção da SST, obrigando-os a contratar prestadoras de serviço para canalizar esses financiamentos (quase sempre empresas alemãs), com o argumento de que a Comissão não pode financiar diretamente os Estados-Membros. Ora, sendo que não consta que as inspeções de trabalho sejam empresas privadas, a conclusão é que a UE não pode financiar a prevenção nos Estados-Membros, mas pode financiar as inspeções. Regista-se! E regista-se também que para este objetivo Portugal já está a avançar… às arrecuas, do que é bem exemplo a recentre retirada à ACT das competências de fiscalização das condições de trabalho na Administração Pública!