Todos compreendemos que, sendo o Estado um instrumento de constrangimento de uma classe sobre outra, as leis que produz e os órgãos a quem encarrega de as fazer aplicar, e castigar os que as desrespeitam (o Direito, os Tribunais e as Prisões), sirvam afinal os mesmos interesses dessa classe dominante.
Não há, pois, que alimentar qualquer ilusão acerca da natureza capitalista quer do Direito, desde logo do Direito do Trabalho (que não é, nem nunca poderia ser, uma “ilha socialista” no meio de um oceano capitalista), quer dos Tribunais, designadamente DOS do Trabalho, que o interpretam e aplicam.
Há, porém, uma reflexão muito séria e que urge levar a cabo sobre o que são hoje os Tribunais do Trabalho e o tipo de concepções que neles têm vindo, cada vez mais, a singrar e a consolidar-se.
Já sabemos que a nossa Justiça Penal é forte para com os fracos e fraca com os fortes, que a instrução e o Juiz de instrução criminal como garante dos direitos, liberdades e garantias estão reduzidos a uma farsa, que a investigação viciada nos métodos de auto-culpabilização dos arguidos (escutas e confissões) e que temos um processo e sistemas penais que, quando chegam, chegam sempre tarde aos ricos, mas são sempre duros e inflexíveis relativamente aos mais pobres.
Também já sabemos que os Tribunais Administrativos e Fiscais (que julgam, entre outras matérias, os actos e condutas da Administração que lesam direitos e interesses legítimos dos cidadãos) e os do Comércio (por onde correm as insolvências e as anulações de deliberações sociais) estão literalmente afundados praticamente por todo o País, ao ponto de, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, haver casos de arrastamento de processos, só na 1ª instância, de 8, 9 e mais anos.
Mas o que se está a passar nos Tribunais do Trabalho, e em particular na Secção Social (que julga as questões laborais) do Supremo Tribunal de Justiça, que julga em última instância as questões laborais, está a atingir o paroxismo total.
Antes de mais, importa saber que, contrariamente o que sucede noutros países, a Justiça Laboral só é especializada ao nível da 1ª instância, pelo que, nas secções sociais dos Tribunais da Relação e em particular na do STJ, podem estar, e estão, juízes que nunca tiveram a disciplina de Direito do Trabalho no seu curso de licenciatura nem nunca julgaram qualquer questão laboral antes de ali chegarem.
Depois, e diferentemente do que se passa com diversos outros países, a começar pela Espanha, entre nós o acesso à Justiça, e em particular o acesso à Justiça Laboral, não só não é gratuito como implica custos absolutamente exorbitantes e incomportáveis para a grande maioria dos trabalhadores.
Temos, com efeito, um regime de custas que implica o pagamento de taxas de Justiça elevadíssimas (numa acção que versa sobre interesses imateriais como é o caso de uma acção de divórcio ou, no campo laboral, do reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, o valor da causa é de 30.000,01 e a correspondente taxa de Justiça de 612,00!) que, ainda por cima, têm de ser nova e repetidamente pagas por cada incidente, recurso ou reclamação em que a parte quiser intervir.
É certo que existe um sistema denominado de “Apoio Judiciário”, que em teoria deveria permitir isentar do pagamento de tais custas quem para elas não tem condições financeiras. Todavia, o sistema legalmente estabelecido considera como rendimentos do requerente todos os do seu agregado familiar e até a existência de móveis ou imóveis registados em seu nome (como se fosse exigível a alguém que peça dinheiro aos pais ou venda a casa ou o carro para ter dinheiro para ir para Tribunal defender os seus direitos e interesses legítimos…).
Acontece ainda que, com grande frequência, a Segurança Social – a mesma que leva meses a pagar os subsídios de desemprego e que se recusa a pagar as remunerações intercalares após um ano, devidas ao trabalhador alvo de despedimento ilícito, apesar de tal obrigação estar expressamente prevista na lei (art.º 98º-N do Código do Processo de Trabalho) – não só envia por correio simples ofícios com datas muito anteriores ao da sua efectiva remessa “queimando” assim os prazos legais dos beneficiários como os procura obrigar a aceitarem pagamentos, ainda que faseados, das taxas de Justiça na sua totalidade sob pena de, se tal não aceitarem, o apoio judiciário lhes ser totalmente indeferido!? Isto, para além de efectuarem os cálculos – relativamente a trabalhadores que perderam rendimentos, como os que viram cortados os seus salários ou os seus complementos de reforma – com base nas declarações de IRS do(s) ano(s) anterior(es), ou seja, com base em rendimentos que os trabalhadores tinham antes dos cortes, mas agora já não têm de todo!